terça-feira, fevereiro 22

O DESCOBRIMENTO DOS CAMINHOS MARÍTIMOS




Muita gente que se pronuncia sobre “os descobrimentos” como controvérsia “nacionalista”, chauvinista, normalmente estudiosos de secretária ou de mesa de café, nunca navegaram, não conhecem o mar nem o seu poder, a sua magnitude, a sua magia. Não sabem nem podem avaliar a grandeza dessa epopeia, simplesmente porque ignoram as realidades com que os navegadores daquele tempo se deparavam; as dificuldades físicas e os rudimentares meios técnicos disponíveis na época que eram unicamente a navegação astronómica, a bússola e a estimativa. No fundo uma aventura sem paralelo, à qual os chamados agora, praticantes de "actividades radicais", conscientes das vicissitudes, jamais aceitariam.
Os cascos dos barcos eram construídos em madeira de pinho não resinado denominada "riga", cujos troncos eram enterrados na areia da praia para depois, se construir a quilha e o  exterior do costado;  para o proteger usavam o pez (mistura resinosa com alcatrão e breu) não existiam ainda as tintas antifúngicas da actualidade, nem se conheciam outras madeiras mais resistentes além do carvalho, o castanheiro e o sobreiro: o cordame e o velame, elaborados de fibras de cânhamo, estopa - serapilheira - e linho, com o sal do mar e a chuva ensopavam, ficavam pesados e os demais aparelhos de navegação, a balestilha e o astrolábio, ou outros, apenas podiam indicar a latitude do lugar porque a longitude era calculada por grosseira estimativa, com uma ampulheta que marcava o tempo; meio muito impreciso por causa das correntes e dos ventos, chamado na gíria da navegação de “decaimento ou abatimento". Não existia ainda o sextante, o “GPS”, o plotter de navegação, nem o piloto automático ou o radar e muito menos os satélites, conhecidos na modernidade. O escorbuto (falta de vitamina "c" no organismo por carência de ingestão de vegetais e frutos) matava quase metade da tripulação durante a viagem e, por isso, chamavam eles à costa Africana, junto a Angola, de “Terra do Diabo”, porque quando aí chegavam já quase todos tinham os dentes a cair ou estavam a morrer lentamente. O barbeiro era quem tratava de arrancar os dentes podres e cuidar dos doentes e feridos.  A alimentação era à base de Biscoitos que apodreciam a menos de metade da viagem, fétidos, cheiravam impregnados da urina de ratazana, ou também de carne salgada rançosa que apodrecia com a humidade. Aqueles que comiam as ratazanas, cujo organismo produz naturalmente essa vitamina "c" eram, por ignorância, os que se safavam dessa fatal doença. Só no século XIX se descobriria que essa doença poderia ser evitada acrescentando à alimentação o sumo do limão e o repolho azedo. O espaço exíguo, a proliferação de ratos, ratazanas, baratas, com a carga que compunha animais vivos, galinhas, cabras e porcos acrescentada à falta de higiene, as fezes, os piolhos a falta de água, a malária, a sífilis, a beribéri, febres, tremores, paludismo, cólera, a peste bubónica, o frio a norte ou o calor tropical a sul, a fome, as tempestades, a bonança e os ataques de piratas e corsários eram consequências normais e constantes nessas viagens.  

A quilha dos barcos, até à linha de água  (querena), com o tempo, infestada e carcomida pelas cracas e outros parasitas do mar, apodrecia, começava a meter água pelas juntas que abriam com a força do batimento violento das ondas do "mare liberum". Nas longas viagens de seis meses em circunstâncias normais, que podiam, com adversidades, durar cerca de um ano ou mais; a ida e volta era uma incógnita, os barcos mal resistiam aos temporais do mar afundando-se, estimando-se que 40% das embarcações nunca chegavam ao seu destino. As terras de além-mar não foram descobertas, foram encontradas, mas foram “descobertos” os enigmáticos caminhos marítimos, por pessoas, sejam elas quais foram, merecem a nossa veneração: fenícios; vikings; espanhóis, holandeses, portugueses, italianos ou outros navegadores, não interessa, todos eles, que foram marinheiros por vontade própria ou forçados, dominaram a arte de navegar e sofreram as agruras do Mar e merecem, por isso, incondicionalmente, o nosso apreço.  A Europa, na Idade Média, era pobre, suja e doentia. A falta de higiene na Idade Média era uma normalidade social que terá sido, sem dúvida, uma das consequências principais da propagação da peste negra que se estendeu de 476 a 1453; a esperança de vida era, aproximadamente, de 30 anos de idade, sendo que o indivíduo que passasse dos 40 anos era já considerado bem idoso.  A igreja cristã, clerical, através da inquisição impedia a evolução social e o conhecimento era tido por heresia, cujas vidas dos prevaricadores terminavam na fogueira da praça pública, em autos de fé. Muitos dos navegadores que partiam nas caravelas eram criminosos retirados da forca ou fugidos às garras da inquisição. ...” Composta por maltrapilhos e miseráveis filados entre a ralé Lisboeta, recrutados à força...e maus filhos de boas famílias...” ( Sampaio: 1527).
Através das condenações os juízes tinham ordens explícitas para prender na enxovia das masmorras por um simples furto de um pão, com o intuito de engajarem, sob coacção, tripulantes suficientes para a pretendida epopeia de navegação, na procura de outros mundos ou, a mais gente da arte de navegar, contratados, a quem se prometiam riquezas imensas no futuro, adquiridas nas índias: porém o longo braço da inquisição, nessas viagens, com padres Dominicanos, Jesuítas, Franciscanos ou Agostinhos, incumbidos da conversão dos povos dos "novos mundos" em terras de Vera Cruz, (cruz verdadeira) na destruição de crenças primitivas populares e na fiscalização pela confissão e punição daqueles que os acompanhavam, além das celebrações religiosas, eram presença vigilante incontestada, portadores do poder divino.
As partidas de Portugal coincidiam quase sempre pela altura da Páscoa, após o Carnaval, condicionadas pelos ventos e mar.
O mar era uma incógnita e os preconceitos da época atribuíam-lhe lendas fantásticas, cantadas, como possuidor, nas suas profundezas, de monstros devoradores, mas sobretudo no vulgo, julgava-se a terra plana e que, em algum ponto acabava e fazia cair as embarcações num abismo sem regresso. Estes conceitos medonhos de “mar tenebroso” ainda estão arraigados nas opiniões populares da actualidade. O fado e a saudade é um sentimento muito português "não vás ao mar Tóino".
Os tripulantes idos de uma Europa feudal, inquisitorial, paupérrima e fedenta de peste, quando chegavam às terras do “novo mundo” depois de uma viagem incógnita e encontravam um paraíso de mulheres nuas, índias lindas que não conheciam o conceito de pudor sexual concebido pelos europeus – opinio clericalis - onde a abundância tropical era pródiga na natureza e a higiene era de cachoeira, desertavam, não queriam voltar noutra viagem de incertezas. Foram necessárias medidas especiais para evitar as fugas: o impedimento de desembarque, além de outras, nomeadamente a actividade dos que, posteriormente, durante a escravatura foram conhecidos por capitães do mato para capturar fugitivos.
Os descobrimentos constituíram simultaneamente, numa das causas, as consequências da modernidade e do Renascimento, dada a vontade a crescente do homem em conhecer o mundo. O comércio estabeleceu uma nova burguesia até então pertencente aos senhores feudais. O trabalho renumerado e um novo sistema contratual começa a surgir na sociedade. Adquirem-se novos conhecimentos vindos do Oriente.
As grandes descobertas marítimas exigiram novos métodos de investigação científica, baseados na observação directa e nas experimentações.
Os avanços da técnica, com a construção de melhores embarcações e o aperfeiçoamento dos estudos e instrumentos náuticos levaram o homem a crer que podia dominar a natureza e o mundo, estabelecidas as rotas marítimas.
A descoberta do caminho marítimo para a Índia propiciou o contacto com outros povos, os seus costumes e saberes, faunas e floras, até então desconhecidos no mundo ocidental. Surge o comércio das especiarias e novas industrias.
Portugal, nessa época, tornou-se um dos países mais importantes da Europa, sendo vários os contributos para o desenvolvimento científico da humanidade, nomeadamente na botânica, na medicina, astronomia; cartografia; matemática; geografia e antropologia.     
Para finalizar, era mais difícil naquele tempo, atravessar o Atlântico e dobrar o Cabo das Tormentas até Calecute "Civitates orbis terrarum"  do que ir à Lua no princípio dessa epopeia que ainda há pouco começou.

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