sexta-feira, abril 29

A SOCIEDADE NO TEMPO DOS DESCOBRIMENTOS



A sociedade portuguesa do princípio do século XV caracteriza-se, sobretudo, por uma forte estratificação social. A divisão da sociedade em ordens, cujo topo era ocupado pela nobreza, gerava uma acentuada desigualdade social pela diferenciação entre estes (os grandes, os fidalgos e os cavaleiros) e os que não possuíam cavalo e meios de combate na guerra, ou que exerciam uma profissão mecânica (escudeiros que surgem no limiar do grupo da aristocracia sendo condição mais baixa que a de cidadão, oficiais mecânicos, lavradores e gente baixa, ou seja, os peões). O grande fosso que separava os diferentes estratos tornava-se bem presente quando se tratava da aplicação de penas e castigos, consoante o crime fosse praticado por um nobre ou por um peão. A diferença de estatuto social era também uma diferença no estatuto jurídico. A materialização dessa distanciação passava também pelo tipo de roupa que cada estrato usava, (veja-se a pragmática sobre as sedas de 1535), e também pela simbologia associada ao vestir, nomeadamente no tocante aos judeus e mouros, obrigados a usar cosida na roupa uma estrela de David vermelha ou um crescente amarelo, respectivamente.
Os nobres gozavam então de inumeráveis prerrogativas possíveis pela sua posição no topo da hierarquia. Eram os detentores dos cargos públicos mais importantes e estavam, geralmente, ligados à função militar, pois tinham possibilidade de possuir cavalo e armamento. Mesmo aos nobres que não tinham dinheiro para suportar os encargos do serviço militar em pé de igualdade com os seus pares eram-lhes concedidos lugares de importância no campo de batalha. Relativamente aos encargos fiscais também saíam beneficiados em comparação com os restantes estratos sociais.
As relações sociais e a rígida estrutura eram regulamentadas pelo bem enraizado conceito da superioridade do estatuto mais elevado que acabaria por afectar os comportamentos. Quem não pertencesse aos estratos hierarquicamente superiores acabaria, inevitavelmente, por revelar mau governo e mau comportamento. Os cargos reservavam-se a pessoas honradas, com virtudes e uma vida de acordo com esse estado. Esta era uma forma de justificar o facto de se vedar o acesso de gente de condição baixa aos cargos públicos. O elitismo dos cargos ficou patente na impossibilidade de os cristãos-novos acederam àquelas funções e ao procedimento da limpeza de sangue a que foram sujeitos os funcionários. Fomentava-se a desigualdade e a perturbação na ordem criada era sempre motivo de preocupação. O serviço na corte era como nas universidades: proporcionava aos filhos segundos o ingresso nos estudos, o que se traduzia depois numa ascensão social.
O outro estrato social que detinha uma grande importância na sociedade era o clero. Aliás, o clero era considerado a primeira ordem porque era o servidor e o mediador para com Deus. Desde sempre auferiu de grandes privilégios. Detinha uma hierarquia interna própria, imunidades, foro privativo e leis próprias que o afastava definitivamente da esfera laica e lhe proporcionava uma confortável posição na hierarquia social. Os cargos eclesiásticos eram disputadíssimos, principalmente os das colegiadas e cabidos, pois a sua ocupação significava um grande aumento dos proventos. Chegavam a ser comprados e vendidos ("comendas") ou então passavam de pais para filhos. Adivinha-se facilmente a penetração no estado eclesiástico de valores que eram inerentes à nobreza. Reflecte-se a hierarquização laica num acto tão natural como a obediência. Era difícil de contornar, e nem sempre aceite com agrado, a situação em que um membro do clero proveniente de estrato nobre tivesse que obedecer a outro de estrato inferior, embora as regras louvassem este tipo de atitude cristã. Aponta-se geralmente um acentuado relaxamento dos costumes entre os religiosos, quer regulares, nomeadamente nas ordens femininas, quer seculares, estado que se tenta combater após o Concílio de Trento.
Com dois estratos dominantes a servir de regra ao resto da sociedade é importante salientar que a sobrevivência da grande maioria da população dependia de relacionamentos em comum, isto é, a boa integração do indivíduo dependia da sua inserção no sistema corporativo. Pertencer a uma ordem ou corpo de ofício era uma forma de defender os seus interesses sociais e económicos, mas também um modo de definir o seu estatuto na globalidade da sociedade, que se mantém num sistema tripartido: oratores (que rezam), belatores (que combatem) e laboratores (que trabalham).
A estrutura social viria a sofrer algumas transformações mercê do crescimento populacional que se verificou em Portugal comum nos restantes países europeus. A partir da segunda metade do século XV verificou-se, um pouco por todo o lado, uma lenta recuperação da crise demográfica que assolou a Europa. Um bom indicador da crise em Portugal foi a dificuldade da Coroa no povoamento dos locais descobertos como foi o caso dos Açores e da Madeira.
Este crescimento da população verificou-se de igual modo nas cidades e nos campos. Este facto torna-se claro pela análise do primeiro censo à população, efectuado por ordem de D. João III, entre os anos de 1527 e 1532, o qual denota um ritmo de crescimento da população, colocando Portugal ao nível de outros países europeus. Por comparação com um outro censo efectuado no reinado de D. Manuel, em 1495, incidindo na região da Beira, houve de facto um grande aumento da população. Transparece desta contagem uma densidade populacional muito acentuada no Norte do País, sobretudo na região de Entre Douro e Minho, permanecendo fracamente povoado o resto do território.
As cidades cresciam, principalmente as do Norte - Viana, Braga, Guimarães, Porto e Aveiro -, mas Lisboa mantinha a supremacia, infinitamente mais populosa do que qualquer uma das outras cidades, logo seguida do Porto, que destronou Évora. O crescimento das cidades foi, em grande medida, motivado pelas migrações de indivíduos que das suas aldeias chegavam em grande número às cidades e vilas, procurando novas oportunidades. Naturalmente Lisboa era a cidade eleita. O crescimento populacional viria a estagnar em meados do século XVI devido à saída da população que ia povoar os territórios recém-descobertos.
Paralelamente ao crescimento populacional, verificou-se uma recuperação na agricultura e no comércio que imprimiu uma actividade renovada de trocas comerciais das quais já faziam parte os produtos das ilhas.
A conjugação de factores - recuperação populacional e económica e política expansionista - provocou uma mobilidade social ascendente. A economia passava a ter outra feição motivada pela crescente mercantilização devida ao maior consumo de produtos. Este fenómeno verifica-se a partir do último quartel do século XV e os mais beneficiados foram os lavradores e os oficiais mecânicos.
O sintoma da efectiva existência de mobilidade social está expresso no pedido de promulgação de leis sumptuárias, de modo a pôr termo à mobilidade ascendente. Este pedido foi formalizado pela elite do terceiro estado, que receava a concorrência de pessoas que eventualmente seriam elevadas a maiores ou semelhantes dignidades. Defendiam que os filhos de mesteiral deveriam permanecer mesteirais, o mesmo acontecendo com os filhos de lavradores. A razão destes pedidos reside no perigo que constituía a possibilidade que os oficiais tinham de entrar ao serviço da Casa Real, fruto da arrecadação de fundos só possível com a melhoria das condições económicas verificadas no século XV. Por isso, a perspectiva de nobilitação de estratos inferiores preocupava algumas camadas da sociedade, uma vez que estamos perante uma sociedade fortemente hierarquizada.
Se a ultrapassagem das crises económica e demográfica fez alterar os componentes dos estratos sociais, também a guerra foi um forte aliado da mudança. A nobilitação através de feitos militares tornara-se mais frequente a partir das campanhas de Ceuta, Arzila e Tânger.
A sociedade mantinha-se tripartida sem lugar a uma definição clara do estatuto dos mercadores no seio dos três estados, mas percebeu a importância do trato mercantil e dos benefícios que daí advinham. Tratados e considerados como "gente limpa", estavam sem dúvida acima dos oficiais mecânicos e dos mercadores a retalho. Os mercadores de grosso trato, cujos filhos também se introduziram na Casa Real prestando serviço militar à sua custa nas praças de África, também foram atingidos pelo irreprimível movimento de ascensão.
A necessidade de implantar e seguidamente manter o bom funcionamento da estrutura do Estado, quer na metrópole, quer no ultramar, fez com que não só se mantivessem como fomentassem as redes de clientelas. A ocupação de funções cada vez mais complexas no âmbito da justiça, da guerra e da fazenda requeria um elevado número de pessoas ao serviço do Estado. É precisamente para resolver este problema que D. Afonso V promove a criação de novos títulos nobiliárquicos. É provável que também tenha sido iniciativa deste rei a criação dos chamados foros ou filhamentos da Casa Real, após a conquista de Arzila em 1471. Através deste procedimento, foram elevadas à condição de fidalgo grande número de pessoas provenientes de estratos mais baixos, tornando-se servidores "de criação" do rei com os privilégios inerentes e a inscrição do seu nome nos livros régios de matrícula. Durante o governo de D. Manuel, o filhamento da Casa Real estava já perfeitamente estabelecido com o acrescento de mais duas ordens de nobreza relativamente ao reinado de D. Afonso V: moço fidalgo, com possibilidades de ascender a fidalgo cavaleiro; moço de câmara, que poderia ascender a cavaleiro fidalgo; e, por último, moço de estribeira, que se poderia tornar cavaleiro raso ou escudeiro. Esta disposição da ordem só viria a ser remodelada com D. Sebastião no Regimento do Mordomo-mor e das moradias, de 1572: o moço fidalgo ascende a fidalgo escudeiro e depois a fidalgo cavaleiro (primeira ordem) e o moço de câmara passaria pelo estado de escudeiro-fidalgo antes de alcançar o título de cavaleiro-fidalgo (segunda ordem). Os filhamentos revestiram-se de especial importância no ultramar, pois os moços fidalgos e moços de câmara iam para esses territórios desempenhar funções ligadas ao serviço militar e à administração da fazenda. Por vezes eram atribuídos lugares de feitores ou de escrivães a moços de câmara, o que motivava inúmeras queixas devidas à sua inexperiência em questões inerentes ao trato comercial. Muitas vezes as funções militares e comerciais não se encontravam separadas.
Num período extremamente favorável à mobilidade social ascendente, assume particular importância o estatuto de nobre, ainda mais quando se interessa pelo trato comercial. Nos finais do século XV encontrava-se a nobreza portuguesa escalonada da seguinte forma: grandes, fidalgos, cavaleiros e escudeiros. Neste conjunto os que detêm a supremacia são os fidalgos de solar, senhores de um título nobiliárquico extensível aos descendentes, garantindo uma perpétua limpeza de sangue. Numa sociedade de ordens tornava-se notória a superioridade conferida pelo título ostentado pelos grandes senhores. O fidalgo tem, no entanto, uma posição dúbia pois poderia tratar-se de um fidalgo de linhagem ou de um fidalgo da Casa Real. O mesmo se passava com a categoria de cavaleiro. Os escudeiros faziam a marca de fronteira entre o segundo e o terceiro estados do reino. Promovia-se assim a forte hierarquização que caracterizou a corte durante este período.
Um facto de salientar nesta época é o da ligação do nobre à vida económica através do grande comércio já que o comércio a retalho e os ofícios mecânicos lhe estavam terminantemente proibidos. A simbiose entre dois mundos tão diversos, tornando-os indistintos, foi fundamental para a manutenção e gestão do império durante o século XVI. Ao serviço do rei e do Estado, o nobre, que se torna mercador em África e na Índia, quando regressa coloca-se imediatamente no seu papel de nobre, repudiando o de mercador. Muitos casos se podem apontar como paradigmas de sucesso de nobres que se dedicam ao grande trato e à alta finança. A política régia era a de colocação de nobres em cargos ligados à fazenda, de modo a conferir um maior prestígio a um estado imperial.
A partir do último terço de quinhentos, a situação é já contrastante com a que se vivia no século XV. Criaram-se mecanismos de entrave à mobilidade social ascendente. As principais vítimas foram os oficiais mecânicos e cristãos-novos que, em nome da limpeza de sangue destes últimos, viram cortado o acesso a cargos municipais, às ordens militares, às cátedras, aos cargos eclesiásticos, à magistratura, etc. Estas restrições tornaram-se generalizadas no início do segundo terço do século XVII.
Para além da população cristã, que vivia sob este regime de classificação por ordens, havia que contar com outras etnias tais como os mouros, que parecem constituir o maior número relativamente a outras minorias. Tinham o seu lugar próprio nas cidades designado mouraria em grupos com considerável número de elementos, ou também se encontravam disseminados pelos campos. O seu número foi declinando.
Os judeus viviam no País em número significativo cobrindo todo o território nacional, ocupando igualmente locais separados nas cidades denominados judiarias, que, devido ao seu vincado carácter comercial, situavam-se no centro do aglomerado populacional. Ao contrário dos mouros, verificou-se um crescimento da população judia beneficiando das políticas levadas a cabo por D. João II, que os deixou permanecer no território durante um determinado período de tempo mediante o pagamento de uma taxa, e por D. Manuel, que fomentou a sua fixação após a expulsão levada a cabo pelos reis católicos (1492) criando a instituição de cristão-novo. Com D. João III e a implantação da Inquisição, em 1547 (data em que é autorizada pelo Papa, pois já existia desde 1536), os cristãos-novos irão sofrer um rude golpe na sua estrutura, que motivará a sua saída de Portugal. Manteve-se a ordem social com a Inquisição e limpou-se o sangue dos que ocupavam ou pretendiam ocupar lugares de destaque.
Fruto da expansão portuguesa, o contingente de escravos africanos e asiáticos no país ganhou nova expressão, particularmente em Lisboa. Constituíam uma mão de obra que substituiu a que saía do país atraída pelo enriquecimento proporcionado pela exploração de territórios além-mar. Eram usados também em trabalhos nos territórios ultramarinos (Madeira, Cabo Verde, Guiné, Brasil). Se muitos criaram raízes como trabalhadores em todas as actividades servis e penosas, muitos outros foram posteriormente vendidos para Espanha ou para a Europa. Alguns acabariam por alcançar a alforria, mas não deixavam, por isso, de ser discriminados.
Portugal, que atravessava um período brilhante da sua História, constituiu um atractivo para estrangeiros se estabelecerem, embora tal situação não se traduzisse em números significativos. Na sua maioria homens de comércio com interesses económicos em Portugal e também homens de letras e membros do clero. O maior cômputo de estrangeiros residentes em Portugal recai sobre os espanhóis, mas também poderíamos encontrar nas nossas cidades italianos, flamengos, ingleses, franceses e alemães.

  O porto marítimo de Villa Medici -1638, de Claude Lorrain.

sábado, abril 23

A DEMOCRACIA E OS BURROS



ENVIADO POR IVO MARTINS
 A Ditadura Democrática Portuguesa elimina os que pensam e promove os Burros. (peço desculpa ao animal, de que tenho muito carinho e admiração)

Este é o maior fracasso da democracia portuguesa

POR CLARA FERREIRA ALVES
Jornalista

Não admira que num país assim emerjam cavalgaduras, que chegam ao topo, dizendo ter formação, que nunca adquiriram, (Olá! camaradas Sócrates...Olá! Armando Vara...), que usem dinheiros públicos (fortunas escandalosas) para se promoverem pessoalmente face a um público acrítico, burro e embrutecido.

Este é um país em que a Câmara Municipal de Lisboa, em governação socialista, distribui casas de RENDA ECONÓMICA - mas não de construção económica - aos seus altos funcionários e jornalistas, em que estes últimos, em atitude de gratidão, passaram a esconder as verdadeiras notícias e passaram a "prostituir-se" na sua dignidade profissional, a troco de participar nos roubos de dinheiros públicos, destinados a gente carenciada, mas mais honesta que estes bandalhos.
Em dado momento a actividade do jornalismo constituiu-se como O VERDADEIRO PODER. Só pela sua acção se sabia a verdade sobre os podres forjados pelos políticos e pelo poder judicial. Agora continua a ser o VERDADEIRO PODER mas senta-se à mesa dos corruptos e com eles partilha os despojos, rapando os ossos ao esqueleto deste povo burro e embrutecido.

Para garantir que vai continuar burro o grande "cavallia" (que em português significa cavalgadura) desferiu o golpe de morte ao ensino público e coroou a acção com a criação das Novas Oportunidades.
Gente assim mal formada vai aceitar tudo, e o país será o pátio de recreio dos mafiosos.

A justiça portuguesa não é apenas cega. É surda, muda, coxa e marreca.
Portugal tem um défice de responsabilidade civil, criminal e moral muito maior do que o seu défice financeiro, e nenhum português se preocupa com isso, apesar de pagar os custos da morosidade, do secretismo, do encobrimento, do compadrio e da corrupção.

Os portugueses, na sua infinita e pacata desordem existencial, acham tudo "normal" e encolhem os ombros.

Por uma vez gostava que em Portugal alguma coisa tivesse um fim, ponto final, assunto arrumado.
Não se fala mais nisso. Vivemos no país mais inconclusivo do mundo, em permanente agitação sobre tudo e sem concluir nada.

Desde os Templários e as obras de Santa Engrácia, que se sabe que, nada acaba em Portugal, nada é levado às últimas consequências, nada é definitivo e tudo é improvisado, temporário, desenrascado.

Da morte de Francisco Sá Carneiro e do eterno mistério que a rodeia, foi crime, não foi crime, ao desaparecimento de Madeleine McCann ou ao caso Casa Pia, sabemos de antemão que nunca saberemos o fim destas histórias, nem o que verdadeiramente se passou, nem quem são os criminosos ou quantos crimes houve.

Tudo a que temos direito são informações caídas a conta-gotas, pedaços de enigma, peças do quebra-cabeças. E habituamo-nos a prescindir de apurar a verdade porque intimamente achamos que não saber o final da história é uma coisa normal em Portugal, e que este é um país onde as coisas importantes são "abafadas", como se vivêssemos ainda em ditadura.

E os novos códigos Penal e de Processo Penal em nada vão mudar este estado de coisas. Apesar dos jornais e das televisões, dos blogs, dos computadores e da Internet, apesar de termos acesso em tempo real ao maior número de notícias de sempre, continuamos sem saber nada, e esperando nunca vir a saber com toda a naturalidade.

Do caso Portucale à Operação Furacão, da compra dos submarinos às escutas ao primeiro-ministro, do caso da Universidade Independente ao caso da Universidade Moderna, do Futebol Clube do Porto ao Sport Lisboa Benfica, da corrupção dos árbitros à corrupção dos autarcas, de Fátima Felgueiras a Isaltino Morais, da Braga Parques ao grande empresário Bibi, das queixas tardias de Catalina Pestana às de João Cravinho, há por aí alguém que acredite que algum destes secretos arquivos e seus possíveis e alegados, muitos alegados crimes, acabem por ser investigados, julgados e devidamente punidos?

Vale e Azevedo pagou por todos?
Quem se lembra do miúdo electrocutado no semáforo e do outro afogado num parque aquático?
Quem se lembra das crianças assassinadas na Madeira e do mistério dos crimes imputados ao padre Frederico?

Quem se lembra que um dos raros condenados em Portugal, o mesmo padre Frederico, acabou a passear no Calçadão de Copacabana?

Quem se lembra do autarca alentejano queimado no seu carro e cuja cabeça foi roubada do Instituto de Medicina Legal?

Em todos estes casos, e muitos outros, menos falados e tão sombrios e enrodilhados como estes, a verdade a que tivemos direito foi nenhuma.

No caso McCann, cujos desenvolvimentos vão do escabroso ao incrível, alguém acredita que se venha a descobrir o corpo da criança ou a condenar alguém?

As últimas notícias dizem que Gerry McCann não seria pai biológico da criança, contribuindo para a confusão desta investigação em que a Polícia espalha rumores e indícios que não têm substância.
E a miúda desaparecida em Figueira? O que lhe aconteceu? E todas as crianças desaparecida antes delas, quem as procurou?

E o processo do Parque, onde tantos clientes buscavam prostitutos, alguns menores, onde tanta gente "importante" estava envolvida, o que aconteceu? Alguns até arranjaram cargos em organismos da UE.

Arranjou-se um bode expiatório, foi o que aconteceu.
E as famosas fotografias de Teresa Costa Macedo? Aquelas em que ela reconheceu imensa gente "importante", jogadores de futebol, milionários, políticos, onde estão? Foram destruídas? Quem as destruiu e porquê?

E os crimes de evasão fiscal de Artur Albarran mais os negócios escuros do grupo Carlyle do senhor Carlucci em Portugal, onde é que isso pára?
O mesmo grupo Carlyle onde labora o ex-ministro Martins da Cruz, apeado por causa de um pequeno crime sem importância, o da cunha para a sua filha.
E aquele médico do Hospital de Santa Maria, suspeito de ter assassinado doentes por negligência? Exerce medicina?

E os que sobram e todos os dias vão praticando os seus crimes de colarinho branco sabendo que a justiça portuguesa não é apenas cega, é surda, muda, coxa e marreca.

Passado o prazo da intriga e do sensacionalismo, todos estes casos são arquivados nas gavetas das nossas consciências e condenados ao esquecimento.
Ninguém quer saber a verdade.

Ou, pelo menos, tentar saber a verdade.
Nunca saberemos a verdade sobre o caso Casa Pia, nem saberemos quem eram as redes e os "senhores importantes" que abusaram, abusam e abusarão de crianças em Portugal, sejam rapazes ou raparigas, visto que os abusos sobre meninas ficaram sempre na sombra.

Existe em Portugal uma camada subterrânea de segredos e injustiças, de protecções e lavagens, de corporações e famílias, de eminências e reputações, de dinheiros e negociações que impede a escavação da verdade.

Este é o maior fracasso da democracia portuguesa

Clara Ferreira Alves - "Expresso"



sábado, abril 2

PORQUE SILENCIAM A ISLÂNDIA?



(Estamos neste estado lamentável por causa da corrupção interna - pública e privada com incidência no sector bancário - e pelos juros usurários que a Banca Europeia nos cobra.
Sócrates foi dizer à Sra. Merkle - a chanceler do Euro - que já tínhamos tapado os buracos das fraudes e que, se fosse preciso, nos punha a pão e água para pagar os juros ao valor que ela quisesse.
Por isso, acho que era altura de falar na Islândia, na forma como este país deu a volta à bancarrota, e porque não interessa a certa gente que se fale dele)
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Não é impunemente que não se fala da Islândia (o primeiro país a ir à bancarrota com a crise financeira) e na forma como este pequeno país perdido no meio do mar, deu a volta à crise.
Ao poder económico mundial, e especialmente o Europeu, tão proteccionista do sector bancário, não interessa dar notícias de quem lhes bateu o pé e não alinhou nas imposições usurárias que o FMI lhe impôs para a ajudar.
Em 2007 a Islândia entrou na bancarrota por causa do seu endividamento excessivo e pela falência do seu maior Banco que, como todos os outros, se afogou num oceano de crédito mal parado. Exactamente os mesmo motivos que tombaram com a Grécia, a Irlanda e Portugal.
A Islândia é uma ilha isolada com cerca de 320 mil habitantes, e que durante muitos anos viveu acima das suas possibilidades graças a estas "macaquices" bancárias, e que a guindaram falaciosamente ao 13º no ranking dos países com melhor nível de vida (numa altura em que Portugal detinha o 40º lugar).
País novo, ainda não integrado na UE, independente desde 1944, foi desde então governado pelo Partido Progressista (PP), que se perpetuou no Poder até levar o país à miséria.
Aflito pelas consequências da corrupção com que durante muitos anos conviveu, o PP tratou de correr ao FMI em busca de ajuda. Claro que a usura deste organismo não teve comiseração, e a tal "ajuda" ir-se-ia traduzir em empréstimos a juros elevadíssimos (começariam nos 5,5% e daí para cima), que, feitas as contas por alto, se traduziam num empenhamento das famílias islandesas por 30 anos, durante os quais teriam de pagar uma média de 350 Euros / mês ao FMI. Parte desta ajuda seria para "tapar" o buraco do principal Banco islandês.
Perante tal situação, o país mexeu-se, apareceram movimentos cívicos despojados dos velhos políticos corruptos, com uma ideia base muito simples: os custos das falências bancárias não poderiam ser pagos pelos cidadãos, mas sim pelos accionistas dos Bancos e seus credores. E todos aqueles que assumiram investimentos financeiros de risco, deviam agora aguentar com os seus próprios prejuízos.
O descontentamento foi tal que o Governo foi obrigado a efectuar um referendo, tendo os islandeses, com uma maioria de 93%, recusado a assumir os custos da má gestão bancária e a pactuar com as imposições avaras do FMI.
Num instante, os movimentos cívicos forçaram a queda do Governo e a realização de novas eleições.
Foi assim que em 25 de Abril (esta data tem mística) de 2009, a Islândia foi a eleições e recusou votar em partidos que albergassem a velha, caduca e corrupta classe política que os tinha levado àquele estado de penúria. Um partido renovado (Aliança Social Democrata) ganhou as eleições, e conjuntamente com o Movimento Verde de Esquerda, formaram uma coligação que lhes garantiu 34 dos 63 deputados da Assembleia). O partido do poder (PP) perdeu em toda a linha.
Daqui saiu um Governo totalmente renovado, com um programa muito objectivo: aprovar uma nova Constituição, acabar com a economia especulativa em favor de outra produtiva e exportadora, e tratar de ingressar na UE e no Euro logo que o país estivesse em condições de o fazer, pois numa fase daquelas, ter moeda própria (coroa finlandesa) e ter o poder de a desvalorizar para implementar as exportações, era fundamental.
Foi assim que se iniciaram as reformas de fundo no país, com o inevitável aumento de impostos, amparado por uma reforma fiscal severa. Os cortes na despesa foram inevitáveis, mas houve o cuidado de não "estragar" os serviços públicos tendo-se o cuidado de separar o que o era de facto, de outro tipo de serviços que haviam sido criados ao longo dos anos apenas para serem amamentados pelo Estado.
As negociações com o FMI foram duras, mas os islandeses não cederam, e conseguiram os tais empréstimos que necessitavam a um juro máximo de 3,3% a pagar nos tais 30 anos. O FMI não tugiu nem mugiu. Sabia que teria de ser assim, ou então a Islândia seguiria sozinha e, atendendo às suas características, poderia transformar-se num exemplo mundial de como sair da crise sem estender a mão à Banca internacional. Um exemplo perigoso demais.
Graças a esta política de não pactuar com os interesses descabidos do neo-liberalismo instalado na Banca, e de não pactuar com o formato do actual capitalismo (estado de selvajaria pura) a Islândia conseguiu, aliada a uma política interna onde os islandeses faziam sacrifícios, mas sabiam porque os faziam e onde ia parar o dinheiro dos seus sacrifícios, sair da recessão já no 3º Trimestre de 2010.
O Governo islandês (comandado por uma senhora de 66 anos) prossegue a sua caminhada, tendo conseguido sair da bancarrota e preparando-se para dias melhores. Os cidadãos estão com o Governo porque este não lhes mentiu, cumpriu com o que o referendo dos 93% lhe tinha ordenado, e os islandeses hoje sabem que não estão a sustentar os corruptos banqueiros do seu país nem a cobrir as fraudes com que durante anos acumularam fortunas monstruosas. Sabem também que deram uma lição à máfia bancária europeia e mundial, pagando-lhes o juro justo pelo que pediram, e não alinhando em especulações. Sabem ainda que o Governo está a trabalhar para eles, cidadãos, e aquilo que é sector público necessário à manutenção de uma assistência e segurança social básica, não foi tocado.
Os islandeses sabem para onde vai cada cêntimo dos seus impostos.
Não tardarão meia dúzia de anos, que a Islândia retome o seu lugar nos países mais desenvolvidos do mundo.
O actual Governo Islandês, não faz jogadas nas costas dos seus cidadãos. Está a cumprir, de A a Z, com as promessas que fez.
Se isto servir para esclarecer uma única pessoa que seja deste pobre país aqui plantado no fundo da Europa, que por cá anda sem eira nem beira ao sabor dos acordos milionários que os seus governantes acertam com o capital internacional, e onde os seus cidadãos passam fome para que as contas dos corruptos se encham até abarrotar, já posso dar por bem empregue o tempo que levei a escrever este artigo.


Por Francisco Gouveia, Eng.º