sábado, março 27

DINASTIA AFONSINA OU DE BOURGONHA (Capetiana)


PRIMEIRO REI DE PORTUGAL

D. AFONSO HENRIQUES – O CONQUISTADOR

1111/1185 (reinou de 1128 a 1185)

Filho do conde D. Henrique e da infanta D. Teresa.

D. Afonso Henriques nasceu possivelmente em Coimbra, em 1109, e faleceu em Coimbra em 8 de Dezembro de 1185 e foi, possivelmente, criado e educado em Guimarães onde viveu até 1128. Casou em 1145/1146 com D. Mafalda, que nasceu em data incerta, e morreu em Coimbra a 4 de Novembro de 1157, ficando sepultada no Convento de Santa Cruz; filha de Amadeu II, conde de Sabóia e Piemonte, e da condessa Mafalda de Albon. Tiveram os seguintes filhos:

1. D. Henrique, nasceu a 5 de Março de 1147 e morreu jovem;

2. D. Sancho, que herdou a coroa;

3. D. João, nasceu e morreu em data incerta;

4. D. Urraca, nasceu em Coimbra, por volta de 1150, e casou com D. Fernando II, rei de Leão, por 1165; sendo repudiada em 1179; faleceu em ano incerto; (*)

5. D. Mafalda, nasceu em Coimbra, em ano incerto; noiva do conde D. Raimundo de Berenguer, filho do conde de Barcelona, em 1160; faleceu pouco depois;

6. D. Teresa, nasceu em ano incerto; casou com Filipe de Alsácia, conde de Flandres, por volta de 1177; faleceu depois de 1211, em Furnes);

7. D. Sancha, nasceu e faleceu em data incerta.

O monarca teve os seguintes filhos bastardos:

8. D. Fernando Afonso, referido em documentos de 1166 a 1172;

9. D. Pedro Afonso (n. e f. em data incerta), por muitos, considerado também irmão do monarca, pois tomou parte na conquista de Santarém e esteve em Claraval antes de 1153.

10. D. Afonso, nasceu em ano incerto; mestre da Ordem de S. João de Rodes, de 1203 a 1206; faleceu em 1 de Março de 1207;

11. D. Urraca, que nasceu e faleceu em data incerta.

D. Afonso Henriques, aos 16 anos arma-se a ele próprio cavaleiro em Zamora. Tenta impor-se perante a mãe. Ela resiste, ele não cede e Afonso VII, rei de Leão, veio cercá-lo a Guimarães para lhe abrandar o carácter. Egas Moniz, que tinha sido aio de D. Afonso Henriques, e era seu alferes-mor, perante a situação difícil do seu pupilo, vai ao rei de Leão e promete-lhe que o jovem Afonso lhe prestaria vassalagem. Ele não prestou. Egas Moniz e a família foram, de corda ao pescoço, junto do rei para pagarem com a vida a promessa não cumprida.

Afonso VII não aceitou o sacrifício do honrado homem. O príncipe prosseguiu, sem pruridos de consciência, a tarefa iniciada pelos pais.

Como D. Teresa, depois da morte do marido, se tivesse ligado ao fidalgo galego Fernão Peres de Trava e muitos fidalgos galegos fizessem parte do seu séquito, o que era contrário à ideia da separação da Galiza, D. Afonso resolveu combatê-los.

Em 24 de Julho de 1128 deu-se a BATALHA DE S. MAMEDE, junto ao castelo de Guimarães.

D. Teresa e os seus companheiros de armas foram derrotados. D. Teresa saiu de Portugal. Faleceu dois anos depois em Leão. Repousa na Sé de Braga onde se encontra ao lado do marido.

Portugal tinha-se libertado da Galiza mas continuava sujeito ao rei de Leão. O jovem Afonso não se conforma só com a autonomia. Quer ser independente.

Afonso VII era seu suserano. Suserano era o senhor de quem dependiam outros chefes de menor importância:

Portugal era um feudo (propriedade) do rei Afonso VII e Afonso Henriques seu súbdito. Tinha de lhe prestar vassalagem. Isso estava fora dos seus projectos. Em vez de obediência e vassalagem, o jovem Afonso atacava terras de Leão e Castela.

Em 1131 muda a capital de Guimarães para Coimbra. Em 1137 vence os Leoneses na batalha de Cerneja. Mas, tal como o pai, sabe que só a Igreja lhe pode valer.

Afonso Henriques vai buscar o francês Bernardo para bispo de Coimbra. Edifica ao mesmo tempo o Mosteiro de Santa Cruz e coloca-o sob a protecção da Santa Sé. Mais tarde funda e protege a construção do Mosteiro de Alcobaça.

Dota-o de um couto enorme onde os monges podiam arrotear a terra, ensinar a ler e organizar populações.

Os lugares ficavam defendidos e beneficiados pelo saber que os monges divulgavam. Os abades cistercienses de Alcobaça eram tidos em grande conta pela Santa Sé.

D. Afonso bem precisava que assim fosse. Os desentendimentos com o rei de Leão continuavam.

Os mouros conheciam estas quezílias e aproveitavam-nas.

Afonso Henriques convence o rei de Leão a fazer as pazes, em Tui. A seguir lança-se sobre os mouros e vence-os na batalha de Ourique em 25 de Julho de 1139.

A Batalha de Ourique

Batalha de Ourique foi travada em 25 de Julho de 1139, dia de Santiago, entre as forças do nosso primeiro rei e as de um chefe islâmico denominado Esmar.

A Batalha de Ourique associa-se à história da aclamação de Afonso Henriques como rei pela nobreza guerreira, em que se descreve o seu regresso triunfal a Coimbra, com a possível indicação de ter sido a partir desse momento que o infante passou a intitular-se rei.

Associada a esta batalha existe uma lenda que a descreve como uma batalha travada contra cinco reis mouros e ganha, ou pela força da protecção divina (versão clerical) ou pela valentia dos cavaleiros (versão nobiliárquica), num caso e noutro dispensadora de terras e riqueza, de reino e realeza.

No entanto sobre a batalha real pouca informação existe, o que leva a crer que o confronto de Ourique se teria traduzido, na realidade, numa refrega militar de modestas proporções, quando confrontada com as grandes batalhas da Reconquista.

História da Batalha

Reunidas as suas tropas, no burgo de Coimbra, em Maio de 1139, Afonso Henriques marcha já em fins de Junho sobre Leiria, onde agrega à sua hoste os cavaleiros-vilões e alguma peonagem dos novos concelhos fronteiriços. E daí, num impetuoso fossado sobre as terras sarracenas, interna-se no Gharb, assolando e saqueando lugares, devastando todo o país.

Não tinham esmorecido ainda tanto, apesar de em manifesta decadência, os brios militares dos almóadas, que não congregassem logo as suas tropas e as dos Mouros espanhóis para marcharem ao encontro da hoste afonsina, cortar-lhe o passo, desbarata-la.

Nos campos de Ourique, feriu-se a 25 de Julho a memorável batalha, a que os Mouros, sob o comando de Esmar, levaram num esquadrão, de amazonas as suas próprias mulheres, talvez por carência de forças neste rincão de Aurélia e outras dificuldades mais graves.

À exepção desta, afirma Herculano, as circunstâncias da Batalha de Ourique ignoram-se inteiramente. Sabemos só que Afonso Henriques desbaratou os sarracenos, cujo chefe, denominado nas crónicas portuguesas por rei Esmar, a custo salvou a vida com a fuga. O campo ficou alastrado de mortos, entre os quais se acharam os cadáveres de muitas das mulheres que ali tinham vindo e haviam perecido combatendo como as antigas amazonas.

A partir deste momento D. Afonso Henriques considera-se rei de facto. Comunica essa decisão a Afonso VII. Este não aceita.

Em 1140 dá-se o Torneio de Valdevez entre cavaleiros Portugueses e cavaleiros de Leão e Galiza.

Saem vencedores os cavaleiros de Afonso Henriques.

D. Afonso Henriques aproveita as boas graças da Igreja, e, por intermédio do Arcebispo de Braga, D. João Peculiar, faz com que o Papa Inocêncio II aceitasse a sua vassalagem contra o pagamento de um censo (quantia que os reis pagavam ao Papa) de quatro onças (onça=31gr) de ouro por ano.

D. Afonso Henriques fez construir o castelo de Leiria em 1135, para servir de poderosa base defensiva e ofensiva. Alguns anos mais tarde, atreveu-se mesmo a um ousado, mas de forma alguma inédito "raid", bem no coração da mourama.

Atravessou o Tejo e internou-se na vasta planície quase deserta do Ribatejo e do Alentejo Norte. Uns 110 Km a sul do Tejo alcançou provavelmente a antiga estrada romana e muçulmana que o levou com facilidade para o Sul, distante mais de 200 Km da fronteira. Em Ourique. pequena cidade perto dessa estrada, encontrou por fim o exército defensivo muçulmano, que conseguiu derrotar à frente de algumas centenas de homens a cavalo ( 1139 ).

Era a sua grande vitória mas não a pode explorar. Tratava-se apenas de uma razia, sem o apoio de qualquer sistema organizado de abastecimentos e cobertura de reservas. Ourique estava longe de mais para ter algum significado na conquista cristã. Afonso Henriques regressou ao reino, muito provavelmente sem ter provocado no Alentejo islâmico qualquer perturbação de monta.

O Arcebispo envia o Cardeal Guido de Vico junto de Afonso VII, obtendo deste, no tratado de SAMORA (Zamora), o título de rei, que D. Afonso Henriques passa a usar, de facto e de direito, em 1143.

A Santa Sé e o Papa Lúcio II, só o tratam por Dux.

Os homens da Igreja eram os mais cultos, aqueles que sabiam ler, contar e interpretar. Utilizavam o conhecimento, a ponderação, a inteligência. Eles nunca poderiam desagradar ao rei de Castela, Leão e Aragão. O espaço territorial e as gentes que o ocupavam eram muitíssimo superiores às terras e às gentes de Portugal.

Só quando a Santa Sé viu que D. Afonso Henriques e os seus companheiros de armas, como Geraldo Sem Pavor, Martim Moniz, Gonçalo Mendes da Maia e Egas Moniz não eram homens de vergar, começou a de maneira diferente.

D. Afonso Henriques reforça a defesa criando, junto à fronteira de Leão, municípios para prevenir qualquer ataque leonês e prepara-se para alargar o território para sul.

Em 1147, D. Afonso Henriques, aproveita uma chegada de Cruzados ao Porto, convence-os a ajudá-lo a desalojar os mouros. Lança-se à conquista de Lisboa, Santarém, Sintra, Almada, Palmela.

Em 1158 conquista Alcácer do Sal, Serpa, Juromenha, Cáceres, Trujilho. Afonso Henriques é homem de rara visão política. Sabe conquistar povoações e atrair para a sua causa os vencidos.

Em 1169 D. Afonso Henriques fica prisioneiro de Fernando II Rei de Leão, seu primo e genro, (*) aquando do cerco de Badajoz, depois de partir a perna direita, na retirada, ao embater violentamente no ferrolho de um portal quando combatia a cavalo. É depois posto em liberdade mediante acordo firmado com o rei. Retira-se para as termas de S. Pedro do Sul a fim de se tratar dessa grave lesão.

Em 1170 concede foral aos mouros livres de Lisboa e das povoações ao sul do Tejo, oferecendo-lhes os mesmos direitos que os dos cristãos. Em 1172 a Ordem de Santiago fixa-se em Portugal.

São-lhe entregues para guarda e usufruto: Arruda, Alcácer, Almada e Palmela. É a maneira de conservar as conquistas.

Em 1179, o Papa Alexandre III, pela bula “Manifestis Probatum”, trata, finalmente, D. Afonso Henriques por rei.

A vida de D. Afonso Henriques é uma batalha constante. Já no seu termo, ao atacar Badajoz, fica prisioneiro do genro, Fernando II de Leão. Este liberta-o depois de ter recebido uma compensação de guerra.

Em 1182 nomeia Julião Pais chanceler-mor (equivalente a primeiro ministro). Era o primeiro passo para a organização administrativa do país.

Sinopse Cronológica da História Diplomática Portuguesa de

D. Afonso Henriques

CRONOLOGIA DE ACONTECIMENTOS:

1128: Em Portugal, Batalha de S. Mamede, entre D. AFONSO HENRIQUES e a sua mãe.

1131: Em Coimbra, construção do Mosteiro de Santa Cruz.

1135: D. AFONSO HENRIQUES edifica o castelo de Leiria.

1137
Junho/Julho
Tui - Tratado de paz entre Afonso VII e D. Afonso Henriques, pelo qual este se reconhece vassalo do rei de Leão e Castela em troca da tenência de Astorga.

13 de Dezembro
D. Afonso Henriques presta vassalagem a Inocêncio II, colocando-se a si e ao
reino sob a protecção de S. Pedro e da Santa Sé.

1139: Na batalha de Ourique, vitória de D. AFONSO HENRIQUES contra os mouros.

Primeira guerra civil em Inglaterra, entre Estevão e Matilde.

1140: Início da construção da Sé velha de Coimbra.

Floresce a lírica provençal.

1141: Segunda condenação de Abelardo.

1143: 4/5 de Outubro: Zamora - Afonso VII de Leão e Castela e D. Afonso Henriques juram, na presença do Cardeal Guido de Vico paz duradoura, reconhecendo o primeiro o título de rei ao segundo.

1144: Revoltas contra o Papa; estabelece-se um governo republicano em Roma.

1146: Casamento de D. Afonso Henriques com Mafalda ou Matilde, filha de Amadeu
III, conde de Mouriana ou Sabóia.

1147: Segunda Cruzada. D. AFONSO HENRIQUES conquista Santarém e Lisboa aos mouros.

1148: Derrota dos cruzados frente a Damasco.

1150: Decreto de Graciano: compilação das leis da Igreja (direito canónico).

Por esta data começa a ser utilizada a energia hidráulica para fins mecânicos.

1152: Frederico Barba Roxa, rei da Alemanha.

1154: Henrique II, rei da Inglaterra, dinastia dos Plantagenetas.

1156: Hungria submetida a Bizâncio.

Os árabes iniciam a reconquista das possessões normandas na África do Norte.

É fundada a Ordem dos Carmelitas.

No Japão, os clãs Taira e Minamoto ocupam Quioto.

1157: Ruptura de Frederico com o Papa.

1158: Fundação da Ordem de Calatrava.

1159: D. AFONSO HENRIQUES doa o Castelo de Cera (Tomar) aos Templários e conquista Évora e Beja aos Mouros.

1160: 30 de Janeiro - Tratado de casamento entre D. Mafalda, filha de D. Afonso Henriques, com Raimundo, filho do príncipe de Aragão.

1160: Os normandos são expulsos da África do norte.

1163: Iniciada a construção da Notre-Dame, em Paris.

1165: Negociações de que resultou o matrimónio de Fernando II, rei de Leão, com
Dona Urraca, filha de D. Afonso Henriques.

1166: Floresce Averroes, comentarista de Aristóteles.

1167: Fixam-se em Oxford estudantes ingleses provenientes de Paris.

1168: Os aztecas no México.

1168: Tratado de paz entre D. Afonso Henriques e Fernando II, rei de Leão.

1170: Foral dos mouros livres de Lisboa, Almada, Palmela e Alcácer.

1171: Embaixada enviada por Fernando II de Leão a D. Afonso Henriques, para reiterar o tratado de 1168.

1171: Henrique II inicia a conquista da Irlanda.

Fundado em Veneza o primeiro banco de depósitos.

Surgem inovações económicas: letras de câmbio, seguros marítimos, etc.

Saladino, sultão do Egipto.

1173: Os almóadas, senhores de Espanha.

1174: A Escócia presta vassalagem a Henrique II.

Iniciada a construção da Torre de Pisa.

1174 - Tratado de casamento de D. Sancho I, ainda príncipe, com Dona Dulce, filha de Ramon Berenguer, príncipe de Aragão.

1175: Em Córdoba, floresce o filósofo judeu Maimónides; o Guia dos Perdidos é a sua obra mais importante.

1176: Frederico Barba Roxa, da Alemanha, reconhece a autoridade do Papa Alexandre III.

Saladino na Síria.

1179: 23 de Maio - Bula "Manifestis Probatum", de Alexandre III, confirmando a posse do Reino de Portugal a D. Afonso Henriques e seus sucessores.

1180: Filipe II promove o desenvolvimento do reino da França.

O Romance da Raposa, compilação anónima.

Maria de França: Poemas.

1181: Construção do Alcazar de Sevilha.

Cruzada contra os albigenses.

1182: Nascimento de Francisco de Assis.

1183: Saladino conquista Alepo.

1184: Casamento de Dona Teresa, (Matilde) filha de D. Afonso Henriques, com Filipe de Alsácia, conde de Flandres.

1185: Morte de D. AFONSO HENRIQUES.

Episódio da Aclamação de Afonso Henriques como Rei

Mas, paralelamente ao relato crúzio(b) de Ourique, é natural que uma outra fonte de narrativa contemporânea, a Gesta de Afonso Henriques, dele se tenha ocupado. Nela é provável que a Batalha de Ourique se associasse à ficção da aclamação de Afonso como rei pela nobreza guerreira e se descrevesse o seu regresso triunfal a Coimbra, com a possível indicação de ter sido a partir desse momento que o infante passou a intitular-se rei. Tal texto, veiculando a imagem de um monarca guerreiro, de um primus inter pares, companheiro dos nobres e com eles solidário, reflectia a nostalgia que os cavaleiros de Coimbra tinham pelos tempos prósperos de Afonso: as contínuas incursões em território islâmico, os fossados, associados a saques e pilhagens, à sua fortuna e ascensão social. Tempos diversos dos que se viviam, marcados pelos progressos de uma guerra profissionalizada enquadrada pelas ordens religiosas militares e pelas milícias concelhias. Ourique tornava-se, assim, a memória de alegria da guerra e da consagração dos cavaleiros guerreiros, dos que fizeram os reis. É, portanto, no contexto político-social dos finais do século XII que se começa a esboçar a lenda de Ourique: batalha travada contra cinco reis mouros e ganha ou pela força da protecção divina (versão clerical) ou pela valentia dos cavaleiros (versão nobiliárquica), num caso e noutro dispensadora de terras e riqueza, de reino e realeza. Da batalha real pouco se sabe, incluindo a localização exacta em que se deu e a identidade do misterioso rei Esmar. As fontes árabes silenciam-na, assim como as crónicas castelhanas, omissão que tem sido interpretada como indício seguro de que o confronto, apenas reduzido a uma memória regional, nunca terá tido as dimensões que os textos de Coimbra mais tarde lhe atribuíram. Na sequência de Alexandre Herculano, admite-se hoje que Ourique tenha consistido num simples fossado, ainda que se conceba que nele pudessem estar envolvidas forças de algumas importantes cidades islâmicas chefiadas pelo respectivo governador ou alcaide, atendendo a que, em 1139, desde Abril, Afonso VII de Leão e Castela cercava a praça moura de Oreja, motivando a sua incursão em terreno inimigo a mobilização de tropas provenientes de todo o al-Andalus, podendo ter sido um dos seus contingentes aquele que foi derrotado em Ourique. Quanto ao título régio que, em sequência da batalha, teria assumido Afonso, não se negando que a vitória, naturalmente exagerada, pudesse ter algo a ver com o facto, prefere-se hoje relacionar o acontecimento com o cenário político hispânico da época, atribuindo-se decisiva importância a que Afonso VII se designasse imperador desde 1135 e a que já fosse suserano de dois reis peninsulares (Ramón Berenguer IV de Barcelona-Aragão e Garcia Ramires de Navarra), motivando então a sua ascensão hierárquica uma correlativa promoção titular do seu jovem primo, se bem que a ela se tenha oposto de 1140 (data da primeira intitulação régia conhecida de Afonso) a 1143 (Tratado de Samora). Mas, se o confronto de Ourique se teria traduzido, na realidade, por uma refrega militar de modestas proporções, quando confrontada com as grandes batalhas da Reconquista, tal não significa que progressivamente se não vá reelaborando a sua lenda, dele fazendo um dos mitos fundadores da nacionalidade. Nos anos 40 do século XIV um novo passo é dado nesse sentido pela Crónica Geral de 1344, do conde Pedro de Barcelos, a qual tem como uma das partes a hoje perdida Crónica Portuguesa de Espanha e Portugal, conservada através da IV Crónica Breve de Santa Cruz de Coimbra, texto onde se prosifica a Gesta de Afonso Henriques, pelo que reúne as interpretações que sobre Ourique foram produzidas nos finais do século XII. Sob o impacte directo da Batalha do Salado, acontecimento militar que reavivara os ideais de reconquista e cruzada, o conde de Barcelos consigna um novo elemento da lenda: à vitória de Ourique associa o momento da escolha de armas pelo novo rei, as quais se tornariam, por extensão, as do Reino, facto facilmente desmentido pela diplomática de Afonso I.

b) Frade da Ordem de Santa Cruz de Coimbra

Lenda de Ourique (A Aparição de Cristo)

Será, contudo, no século XV que a lenda articulará todos estes elementos (vitória sobre cinco reis mouros; aclamação de Afonso como rei no campo de batalha; escolha das armas e escudo nacionais) numa nova narrativa difundida através da Crónica de 1419 de Fernão Lopes. A necessidade sentida pela nova dinastia de Avis em afirmar a sua legitimidade histórica, conjugada com os inícios de expansão e o novo impulso dado à ideologia de cruzada, faz, no entanto, que se acentue o protagonismo divino já presente na antiga versão da lenda: tendo como antecedente uma breve passagem incluída no Livro dos Arautos (1416), a Crónica de Fernão Lopes acolhe o episódio do denominado milagre de Ourique: o próprio Cristo, crucificado, teria aparecido a Afonso I nas vésperas do combate, anunciando-lhe o seu apoio para a derrota dos infiéis. Inserindo-se numa ampla rede de vaticínios e profecias que propagandeavam o carácter messiânico a protagonizar pelos reis de Avis, pelos sucessores do bastardo rei João, o milagre desempenhará, a partir daí, um papel nuclear na definição da legitimidade da monarquia portuguesa, apresentada como eleita e conduzida pela divindade, sendo, como tal, amplamente glosado pela historiografia do absolutismo, a qual esteve bastante ligada a autores de origem clerical. Sendo assim, não é de admirar que o liberalismo, movimento portador de uma nova visão da sociedade e, logo, da história, tenha mobilizado esforços para a crítica da lenda de Ourique, sobretudo em relação ao milagre, posição que valeu a Herculano uma acesa polémica com o clero, defensor das teses historiográficas consagradas no Antigo Regime. Porém, negar a lenda de Ourique não resolve, nem esclarece, o problema da sua existência e difusão, pelo que há que estudar sociologicamente o mito em si, para que se compreenda a sua eficácia e sedução.

Afonso Henriques faleceu a 6 de Dezembro 1185.

Fundou, governou, aumentou e consolidou Portugal durante 57 anos.

Jaz na igreja de Santa Cruz de Coimbra.

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