Este artigo foi escrito e publicado no Jornal “Gazeta do Sul” em 14 de Dezembro de 1985, aquando do início da minha participação nos trabalhos de arqueologia submarina para o MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA, na Estação Arqueológica do Ministério da Cultura, na Boca do Rio, junto à praia da Salema (Vila do Bispo) Sagres:
“Arqueologia Submarina em Portugal
O Projecto L’Ocean
Desde que em 1982 se iniciaram as primeiras escavações na zona Arqueológica da Boca do Rio, entre Lagos e Sagres. O Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, todos os anos, de Junho a Setembro, activa o programa de recuperação dos despojos submersos do Navio Almirante Francês L’Ocean, o qual constituí o primeiro projecto Português de arqueologia subaquática.
O L’Ocean, navio almirante de 84 canhões, o maior navio de guerra concebido em França, acabado de construir pouco tempo antes do seu afundamento ocorrido em Agosto de 1759, foi lançado à agua num derradeiro esforço para fortalecer a sua esquadra, face ao poderio naval Inglês.
Corria o ano de 1759 e a Inglaterra marítima e a França continental debatiam-se em terra e em especial no mar pela disputa dos espaços coloniais.
A este período de guerra que teve início em 1756, veio a chamar-se “Guerra dos sete Anos”.
Naquele tempo, os ingleses, marinheiros experimentados saídos do Corso e obrigados a uma disciplina quase atroz, sem grande esforço faziam frente ao poderio naval Francês de Napoleão.
Portugal mantinha por conveniência política uma relativa neutralidade. Inteligentemente o seu primeiro-ministro, Marquês de Pombal, tentava furtar-se às exigências impostas pelos países beligerantes.
A 5 de Agosto de 1759, do Porto de Toulon, saíram com rumo aos do Norte de França, doze Galeões e três Fragatas comandadas pelo Almirante francês La Clue. Pela noite, a esquadra francesa conseguia passar furtivamente, com vento de favor “pelas barbas” da esquadra inglesa fundeada em Gibraltar e comandada pelo almirante inglês Eduward Bocawen.
Conta a história que uma imprudência denunciou a esquadra francesa:
Numa tentativa de se reagrupar, La Clue, no seu navio almirante, o L’Ocean, manda, ainda perto da esquadra inglesa, acender as luzes de popa. Esta atitude pouco cautelosa viria a custar à França a quase total destruição daquela sua esquadra naval.
Os navios L’Ocean, Redoutable e Modeste, depois de terem sido perseguidos insistentemente pela esquadra inglesa a partir daquela noite de 17 de Agosto de 1759, viriam a ter o seu fim junto à costa Algarvia.
Esta violação descarada da integridade territorial portuguesa por parte dos ingleses, levou a que, o então primeiro-ministro Português, Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e celebrizado depois, como Marquês de Pombal, reagisse da sua forma mais peculiar: …”Vós não fazíeis ainda figura alguma na Europa, quando a nossa potência era mais respeitada…” Assim se dirigia ele ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Inglês, reclamando justificação ao governo Britânico, apesar da incapacidade militar de Portugal.
Cerca de dois séculos e meio depois, numa extensão limitada, em grande parte por identificar, repousam agora no fundo, coberto por areia, formações calcárias e algas, canhões, balas, bigotas, cadernais, âncoras, despojos humanos e ferros retorcidos, gastos pela corrosão. Despojos estes a dez e catorze metros, agora transformados pelo tempo, em naturais abrigos das espécies existentes; oferecem ao visitante subaquático uma pálida ideia do cenário bélico que foram os trágicos e derradeiros momentos de quem neles viveu. Apesar das depredações a que o local tem estado sujeito, através dos tempos, por parte dos que procuram hipotéticos tesouros e objectos decorativos, ou dos que por cupidez venderam canhões de bronze, ao quilo, para decorarem jardins de ricas vivendas na Europa, ainda ali existe um vastíssimo espólio para investigação, transformado em escola de arqueologia submarina e agora escrupulosamente vigiado pela autoridade marítima Portuguesa.”
José Douradinha.
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