domingo, abril 25

NUESTRA SEÑORA DE LAS MERCEDES


Este artigo foi publicado no JORNAL GAZETA DO SUL a 4 de Outubro de 1986, aquando da minha participação nos trabalhos de arqueologia submarina para o MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA, na Estação Arqueológica do Ministério da Cultura, na Boca do Rio.

…” UM TESOURO SUBMERSO:

O BARCO ESPANHOL “NUESTRA SEÑORA DE LAS MERCEDES” FAZIA PARTE DE UM GRUPO DE QUATRO FRAGATAS QUE EM 1804 NAVEGAVA DE MONTEVIDEU PARA SEVILHA E, TENDO SIDO ATACADO POR NAVIOS INGLESES, NA COSTA DO ALGARVE, AFUNDOU-SE EM FRENTE AO CABO DE SANTA MARIA, JUNTO A FARO, A UMA DISTANCIA DE SETE MILHAS DA COSTA, TRANSPORTANDO 260 TRIPULANTES E 24 TONELADAS DE OURO, PRATA, JÓIAS MOEDAS DE OURO.

Em Dezembro de 1982 os jornais portugueses publicavam assim a notícia de um fabuloso achado. Que a fragata espanhola “NUESTRA SEÑORA DE LAS MERCEDES” que havia desaparecido aquando do seu afundamento e jamais encontrada, tinha sido finalmente localizada e identificada por um mergulhador italiano, na Costa Algarvia, a 50m de profundidade. A notícia tinha saído misteriosamente em primeira mão no estrangeiro e era assim como uma bomba por ser do total desconhecimento das autoridades portuguesas. A exemplo de outros casos passados mantinha-se assim o ritmo de achados submersos clandestinos em Portugal.

Fazendo uma ligeira retrospectiva do passado e sem querer aprofundar as causas deste tipo de achado à revelia das autoridades competentes, nem fazer comentários históricos fastidiosos terá forçosamente que se avaliar os factos.

Em resposta àquela notícia comprometedora o Governo Português depois de ter confirmado a existência do achado criou à pressa por Decreto Lei, através do Ministério da Cultura, no Museu Nacional de Arqueologia, a Secção Subaquática e bem assim a Zona da Estação Arqueológica da Boca do Rio, situada entre Lagos e Sagres, dando origem ao chamado “Projecto L’Ócean”. Este projecto que funcionou durante três anos visava especialmente a formação de mergulhadores amadores na arqueologia subaquática, dado que os despojos do navio se encontravam a pouca profundidade, possibilitando assim uma maior permanência de trabalho sem necessidade das perigosas e obrigatórias descompressões.

Começava assim, pela primeira vez em Portugal um projecto de arqueologia subaquática considerado e enaltecido pela Europa como justificável, útil e de grande futuro, face ao incontável espólio submerso espalhado na nossa costa Continental e Insular.

Pretenderam alguns arqueólogos terrestres, injustamente, comparar os trabalhos arqueológicos, impostos em terra e no mar, e quiseram contabilizar de imediato os resultado obtidos na campanha arqueológica do L’Ócean, destruindo assim o que à partida pretendia apenas ser uma escola de arqueologia subaquática.

Valha-nos o regresso da campanha e do bom senso!

É quase como que ver para crer, não há como consultar a história e num ligeiro resumo, concluir que Portugal privilegiado pela sua situação geográfica (estratégico militar) era ponto de passagem das naus que cruzavam o Atlântico.

Posicionamos Portugal na época fazendo este resumo histórico: Em 1803, (Reinado de D. Maria I) reacendeu-se a guerra entre a Inglaterra e a França.

A Ilha da Madeira e a cidade de Goa eram ocupadas pelos Britânicos como pretexto de proteger essas posições duma possível agressão francesa.

Recuando no tempo: A Espanha, aliada de Bonaparte, combatia a Coroa de Inglaterra e o Governo Pombalino de Lisboa (1750 a 1777) proclamava novamente o seu “inviolável sistema de neutralidade” e em nome da neutralidade, sob a aliança com a Inglaterra, proibiu os navios ingleses que faziam a guerra de corso de utilizarem os portos portugueses. Atitude estabelecida de acordo com o governo Inglês e durante algum tempo, os três países, aceitaram esse difícil compromisso que consistia em manter ao mesmo tempo a aliança de Portugal com a Inglaterra e a paz com a França.

Para terminar esta introdução histórica convêm recordar que Portugal percorreu 500 anos assistindo a um extraordinário movimento marítimo, comercial e de guerra, quase sempre obrigado pela sua situação política e económica, face aos países mais poderosos, (França, Inglaterra e Espanha) sem excluir os corsários da Coroa de Inglaterra.

Conhece-se o posicionamento cerca de 50 embarcações afundadas no Continente e Ilhas e calcula-se em cerca de 200 ou pouco mais as que se encontram afundadas na costa portuguesa, ainda por descobrir, com valor inestimável arqueológico e económico. Facto que não constitui admiração nem dúvida dado que a zona marítima da costa Portuguesa foi cenário de inúmeras batalhas navais entre ingleses, franceses e espanhóis, durante muitos e longos anos.

Sem no entanto querer mencionar os nomes duma lista de barcos naufragados, desaparecidos na nossa costa o que seria enfadonho mas a qual, no entanto, é do conhecimento do grupo de trabalho para a defesa do património arqueológico subaquático que funciona junto da Direcção Geral dos Serviços de Fomento Marítimo e da Comissão Nacional Provisória de Arqueologia Subaquática, poderemos mencionar aqueles que são já do conhecimento geral, como o S. Pedro de Alcântara, afundado em Peniche no Século XVIII, constando do célebre Arquivo das Índias em Sevilha e que deu causa a um episódio pouco vulgar. Em l982 um grupo de mergulhadores franceses foi entregar á Capitania de Peniche vários lingotes de ouro apanhados do fundo do mar e, dias depois, um iate americano de 17 metros, especialmente equipado para detecção e pesquisa subaquática esteve ancorado por ali cerca de um mês. Não esquecemos ainda o “Le Redoutable” e o “Le Modeste” que faziam parte da Esquadra Francesa comandada no navio “L'Océan” pelo seu Almirante La Clue, afundados em Agosto de 1759 junto à costa Algarvia, pela esquadra inglesa comandada pelo almirante Edward Boscawen,mais precisamente em frente à praia da Salema na denominada Batalha de Lagos.

Não queremos esquecer também o combate naval do Cabo de S. Vicente, saldando-se o combate por uma derrota espanhola frente aos ingleses; a Ilha Berlenga que foi durante muito tempo poiso de corsários da coroa inglesa e não só, que dali zarpavam com o único fim de saquearem os navios espanhóis que como o NUESTRA SEÑORA DE LAS MERCEDES transportavam para Espanha o ouro dos Astecas e a prata da Argentina.

O caçador de tesouros e o arqueólogo são pessoas que da mesma forma procuram valores, através dos mesmos meios mas com fins diferentes. Quando submersos ambos utilizam a aparelhagem necessária para pesquisa e mergulho, separando-os a diferença de que o caçador de tesouros pretende valores transaccionáveis sem se preocupar com o valor histórico e arqueológico, destruindo sempre os vestígios existentes e todo um conjunto de vestígios que dariam ao arqueólogo a inestimável informação da réstia dos sinais ocultos pelo tempo.

Nos últimos 15 anos, após a 2ª Grande Guerra a prática do mergulho amador e profissional desenvolveu-se muito, não só porque os praticantes são cada vez em maior número, mas pelo desenvolvimento da técnica e muito especialmente da fisiologia do mergulho (medicina hiperbárica) que tem facilitado ao homem comum o uso, sem grandes restrições desses aparelhos cada vez mais aperfeiçoados.

Compete aos Clubes e superiormente à Federação Portuguesa de Actividades Subaquáticas canalizar todo esse potencial dando-lhe carácter científico, dinamizando-se secções de arqueologia, biologia, etc., criando comités, apoiados e dando apoio às entidades estatais e escolares, dando-se especial atenção e nova dinâmica ao projecto do Museu Nacional de Arqueologia. Antes porem há que modificar a Lei contemplando os achadores com os seus direitos, tornando-os efectivos, dando-lhe o cariz actual Europeu e em conformidade com as directivas da Confederação Mundial de Actividades Subaquáticas e com o direito Internacional.

Portugal é o único país da Europa com valores submersos inestimáveis e continua a ser dos poucos do mundo que ainda não procedeu ao seu inventário, sob pena de perde-los quando começarmos a ser invadidos pela tecnologia europeia, nesse campo.

Façamos o que nos compete antes que outros o façam por nós.”

NOTA DO AUTOR: Em 1986 os condicionalismos impostos pela Lei em vigor era ainda incipiente no tocante ao mergulho amador e, embora a Lei tenha mudado, duvidando-se do seu melhoramento, nada foi feito ainda quanto ao problema do “espólio subaquático” conforme acima de refere e ao desenvolvimento da arqueologia submarina.

HISTÓRIA DE LAGOS:

A BATALHA DE LAGOS:


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