sábado, abril 24

O CASTELO DE ALMOUROL E SUAS LENDAS


Numa ilhota do Tejo, pouco a jusante da sua confluência com o Zêzere, a meia distância entre as vilas de Barquinha e Constância (terra onde residiu Camões), num afloramento granítico a que a diminuta base dá certo aspecto de altitude, apesar dos seus simples 40 metros de altura ergue-se um dos mais típicos castelos portugueses, o de Almourol.

Ajustada às condições topográficas, a planta da muralha envolvente é sinuosa, protegendo-lhe os ângulos numerosos bastiões; a porta de entrada, para a ela ter acesso é por barco, aberta, dá acesso a um vestíbulo do qual se passa ao terreiro um pouco superior, ande assenta a dominadora torre de menagem, cujo interior mal iluminam algumas simples frestas.

Salvo, pouco importantes modificações praticadas modernamente, o castelo apresenta a feição medieval do tempo em que lhe promoveu a construção o célebre Gualdim Pais, Mestre da Ordem do Templo.

Uma lápide datada da era de 1209 (ano 1171), engastada sobre a porta principal do castelo, menciona, além da naturalidade bracarense de Gualdim Pais e da sua acção militar contra os muçulmanos no Egipto e na Síria, o seu advento à chefia dos Templários portugueses e subsequente construção dos castelos de Pombal, Tomar, Zezere, Cardiga e Almourol. (...factus domus Templi Portugalis procurator, hoc construxit castrum Palumbare. Tomar, Ozezar, Cardig, et hoc ad Almourol), assim mostrando que em 1171 o castelo de Almourol se achava, como os demais indicados, já construído. Essa seria, portanto, a data, na qual, ou anteriormente à qual a construção teve lugar. Uma pequena inscrição, assente sobre a porta interior, esclarece porém ter sido em 1171 (era 1209, também mencionada nesta) que Gualdim Pais, com os seus confrades, edificou o castelo de Almourol.

Sobre a porta da sacristia da igreja do convento de Tomar, existe uma outra lápide, igualmente datada da era de 1209, assaz semelhante a esta, salvo na enumeração dos castelos, na qual figuram também os de Idanha e Monsanto, o oitocentista erudito Viterbo, aceitando uma errónea tradição segundo a qual a lápide de Tomar teria sido transferida para o castelo de Almourol no tempo do Infante D. Henrique, supôs proveniente de Tomar a inscrição de Almourol; esta inexactidão tem sido repetida, apesar de que há quase meio século já o cuidadoso investigador Garcês Teixeira mostrou serem duas as inscrições, e com base no facto de mencionar-se na de Tomar a construção dos castelos de Idanha e de Monsanto sendo estes posteriores a 1171, afirmou dever considerar-se principalmente a inscrição de Almourol e cópia dela a de Tomar.

Muito anteriormente à construção do templário castelo de Almourol, já o local estivera fortificado. Com efeito, vê-se no sopé de certos lugares das muralhas algum aparelho construtivo que tem sido considerado de tipo romano, e esta remota ocupação militar do local pelos Romanos é confirmada pelo achado de moedas romanas e outros objectos de igual época. Admite-se, por isso, que, passando ao poder dos Bárbaros, ai depois houvesse fortificação árabe, expugnada pelas forças cristãs do nosso primeiro rei, e que finalmente, sobre as ruínas dela, porventura existentes, se fizesse por determinação de Gualdim Pais uma reedificação em moldes arquitectónicos do seu tempo e com a grandeza que caracteriza o perdurante monumento.

Integrado nos domínios da Ordem do Templo, o castelo constituiu sede duma comenda, situação que se manteve depois que em substituição daquela Ordem, violentamente extinta pelo papa Clemente V, o nosso rei D. Dinis lhe constituiu sucessora nos bens e direitos, relativos a Portugal, a Ordem de Cristo.

Com o andar do tempo, perdida a eficiência militar, o castelo de Almourol deixou de ter guarnição e ficou abandonado, no isolamento da penedia em que se ergue. Mas foi justamente esse isolamento, que, século após século, o deixou maculado apenas pela acção do tempo, aliás frusto; mas, ao contrário de tantos outros, livre da destruidora acção dos homens.

Parco em matéria de memórias propriamente históricas, o castelo de Almourol é porém rico quanto a uma porção das lendas que a imaginação popular, ao criá-las, fez, como de costume, remontar ao tempo dos moiros.

Assim é possível, porém, que nem todas sejam de origem popular, pois bem podem ter-se na conta de mera criação literária os sucessos que o quinhentista Francisco de Morais incluiu no seu Palmeirim de Inglaterra, relativamente ao castelo de Almourol. Nesse tardio romance de cavalaria, o herói, viajando dum porto britânico para Constantinopla, é desviado deste destino por uma grande tempestade que forçou o navio a arribar na costa portuguesa, fundeando no rio Douro. Desembocado no Porto, Palmeirim toma conhecimento das perigosas aventuras de alguns cavaleiros andantes que se tinham atrevido a travar combate com o gigante Almourol, que no seu castelo à beira do Tejo custodiava a bela princesa Misaguarda e as suas damas; por isso, sempre em busca de aventuras, logo se determina a correr essas teias. Jornadeando para o sul, chega enfim à orla do Tejo e logo avista o castelo de Almourol, «tão guerreiro e bem posto, que fazia presumir a quem o via que quem primeiro o edificara, para tenção de grandes coisas o fizera». Já mais perto, vê dois cavaleiros combatendo numa praça junto do castelo, mas que já estavam no fim da luta. Reconhece no vencedor o cavaleiro triste, com o qual já tivera encontros; aqui, este, em sinal de vitória, juntara o seu escudo ao de outros que já a tinham obtido de seus contrários. Ora no escudo do cavaleiro triste estava pintado o retrato da sua dama, a princesa Misaguarda, tão bela, que Palmeirim «ficou algum espaço suspenso»; mas, voltando a si, um fervoroso galanteio brotou de seus lábios, pois que, pondo o olhar na efígie, assim falou: «Senhora, agora vejo o que não cuidava e já me não espanto Fazer tamanhos extremos este vosso cavaleiro, pois por tamanho extremo combate, vencer todos não me parece muito, pois a razão em seu favor está tão clara, mas comigo quero ver que fará, pois a tenho maior a minha: Ouvindo tais palavras, tendo-as como ofensa digna de castigo, o cavaleiro triste sustenta o repto, dizendo para consigo: Senhora, quem por esse parecer combate, que fraqueza tão grande ou que esforço tão fraco pode ter, que todas elas cousas grandes não acabe?». Então um feroz combate se trava. Voam em estilhaços os escudos, amolgam-se as espadas, porém só o sangue derramado, as muitas feridas, e por fim a noite, põem termo à luta, mas sem haver vencedor. Mais ferido, o cavaleiro triste é recolhido e tratado no castelo, enquanto Palmeirim vai tratar-se numa aldeia próxima. Porém, nem um, nem outro, logra o amor da princesa, a qual aconselha o cavaleiro triste a retirar-se e a desistir de novos combates durante um ano, já que não fora vencedor neste; e quanto a Palmeirim, também ele se afastou do castelo, achando preferível retornar aos seus propósitos de Constantinopla. Depois disso, o feroz Almourol atacado e vencido por outro gigante, Dramusiando, sob protecção do qual ficam então a princesa e a sua corte.

O muito citado pelo polígrafo Pinho Leal, tendo referido esta lenda e aludido a outras, narra também, e pormenorizadamente, uma tradição lendária que diz corrente entre o povo da região ainda no tempo em que a registou, isto é, nos fins do terceiro quartel do século passado; alude-se nessa lenda a sucessos ocorridos nos primeiros tempos da Reconquista Cristã, séculos XI ou X, sendo protagonistas nela um cavaleiro cristão.

D. Ramiro, e um jovem mouro, como resumidamente vamos narrar: D. Ramiro regressava orgulhoso de combates contra os muçulmanos e encontrou duas mouras, mãe e filha, trazendo esta uma bilha com água, que deixou cair, assustada, quando lhe pedia de beber o rude cavaleiro, enfurecido, logo a ela e a mãe tirou a vida; apareceu então um pequeno mouro, filho e irmão das assassinadas, que D. Ramiro levou prisioneiro para o castelo onde se achavam a sua mulher e a filha, que logo o prisioneiro projectou matar, como represália; Fê-lo, porém preparando lentamente um subtil veneno; deixando-se, todavia enlear depois por um mútuo amor com a jovem, que o pai projectava casar com outro cavaleiro, sabendo que, mouro e cristão deixaram o castelo e desapareceram. Este conjunto de inconsciências é rematado com dizer-se que nas noites de S. João aparece no alto da torre de menagem o par de amorosos, abraçados, e rojando-se-lhes aos pés, implorando clemência ao brutal D. Ramiro.

Na realidade, quem em qualquer noite luarenta contempla o solitário castelo, pode bem compreender que no decorrer dos séculos, desde o seu abandono, o povoassem lendas, absurdas sem dúvida, mas tocadas dum suave romantismo.

http://www.rotas.xl.pt/0304/500.shtml

http://pt.m.wikipedia.org/wiki/Castelo_de_Almourol

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