sexta-feira, março 5

HISTÓRIAS FANTÁSTICAS


AS DUVIDAS DE TADEU

O bem e o mal

Onde há a luz há a escuridão; onde há o amor há o ódio; onde há a paz há a guerra...

É esta a ordem universal da vida; as regras que Deus estabeleceu e legou aos homens desde o princípio dos tempos: A liberdade de escolher entre o bem e o mal.

Esta será a história de um homem apoquentado pelo desatino da humanidade, que nas suas orações para com Deus, procurava as respostas que lhe pudessem clarear o nefasto teatro do comportamento humano e da sua história social neste mundo quanto demais conturbado. Chamemos a esse homem "Tadeu", que em Hebraico, significa "Aquele que louva ou confessa".

Tadeu vivia num meio rural, perto do litoral agreste Alentejano. Era um homem muito laborioso, professor do ensino secundário, pescador nas horas vagas e trabalhador do seu pequeno talhão de terra nos dias de mar revolto, assim obtinha ele o seu pequeno provento de economia doméstica. Aproveitava o tempo de fins-de-semana e férias. Senhor de uma prole profícua, cansado e algo curvado pelos anos e pela dureza da vida na faina; filósofo por tendência, inteligente, verdadeiro, honesto e temente a Deus, sem ser austero. Tadeu era conhecido no seu meio como um homem justo, complacente, ilustre professor digno, generoso que ajudava o seu vizinho, praticava o bem, porque era esse o seu modo de estar na vida; ele tinha sempre para com os outros a ajuda própria e necessária no momento certo, mas vivia amargurado por conhecer, de tanta desmanda da vida, a intencionalidade da maldade e do mal fazer de todo o tempo da grei; temendo o futuro do homem no mundo, pela intolerável devassidão da sua essência, oportunamente cogitava pesaroso.

Tinham começado as férias de Natal e estando ele no primeiro dia semanal, no seu descanso e tempo de varação, ausente dos seus buliçosos alunos e de sua casa, só com os seus pensamentos e sem ninguém à vista, suspirava de alívio. Pela aurora, iniciara uma breve caminhada, partindo de sua casa em direcção à costa, atravessou um denso pinhal até ao seu lugar sempre preferido. Sentou-se numa laje, à beira da alta falésia. Era manhã, o sol despontara resplandecente havia pouco tempo. Contemplando o horizonte e o sossego cantante do mar, escutava, solitário, o sussurro da natureza que o circundava. Fugazmente meditava relembrando a sua vida e a justeza de pensamentos e actos que sempre procurou impor ao seu comportamento e ao seu mester docente. A brisa fresca matinal, vinda do mar, acariciava-lha a face e trazia-lhe o perfume da maresia. Assim gozava ele daquele momento o êxtase da plena magnitude dos sentidos. Perante um céu passivo, de um azul limpo e vivo, avistava longe e tudo em redor. O mar sereno espraiava-se e perdia-se na areia branca; mais além espumava-se vigorosamente contra os imponentes rochedos da falésia que recortavam a orla e ao longe vincava nitidamente a linha curva do seu horizonte. Em pequenos espaços a geada cobria de branco os musgos verdes da falésia e a terra ainda húmida cheirava a madrugada. Como é bela a natureza no despontar do dia, pensava contemplativo; que magia poderia sobrepor-se a tanto esplendor senão de obra divina? … Um momento sublime de entrega total tolhera-lhe o espírito. Pouco a pouco despertava e retomava a consciência, como as ondas do mar recuperam o refluxo do seu ciclo endógeno. Subitamente, sentiu, na inquietude bonançosa o fragor próprio do andar furtivo e pouco distante de alguém. Virando-se viu que se aproximava, oculto pela luz encandeante do Sol nascente, o vulto de um homem vestido com uma longa túnica branca que caminhava tranquilamente na sua direcção em passos lestos, firmes, auxiliado por um bordão à sua altura, detendo pendurada uma cabaça. Acercando-se dele, o homem, melhor o viu e pensou: Figura estranha aquela, de sandálias e com vestes que pareciam desusadas e muito antigas!?. Abordando-o, o Homem, serenamente, com voz melodiosa, timbrada, chamando-o pelo nome, disse-lhe: “Tadeu, estou cansado da caminhada! De seguida fez uma pequena pausa, bebeu da cabaça, ofereceu-a e logo lhe perguntou: Posso sentar-me à tua beira, para descansar e contigo melhor conversar, uns breves momentos, se assim quiseres!?” Tadeu, com um tímido aceno de cabaça, aquiescendo ao seu pedido e ainda surpreso, apontando a laje com a mão para o lugar vago a seu lado, confirmou dizendo: Sim, podes. Vejo pelo modo que és um homem de paz! Mas quem és tu e donde vens? 0 Homem, sentando-se vagarosamente, disse-lhe: “Tranquiliza-te, Tadeu, não te direi ainda quem sou, só depois de conversar contigo, se for do teu agrado!”. Está bem, pois assim seja - respondeu-lhe Tadeu. Gerou-se entre ambos um breve silêncio. Para Tadeu parecia que o tempo havia parado naquele momento. Sossegado não divagava pensamentos que o fizessem amofinar. Nem sequer tinha dado conta que O Homem, sem lho perguntar, o tinha advertido pela sua graça. Aquela presença, tranquilizara-lhe o espírito!

Fez-se o silêncio que foi quebrado pelo Homem. O estranho visitante que parecia surgido do tempo e do nada, afirmou: “Estou aqui, Tadeu, para responder às tuas apoquentações, para dar resposta às tuas dúvidas e tranquilizar-te o espírito. “

Tadeu, perplexo, por tão surpreendente visita, sem outras divagações que não as de responder com exactidão, retorquiu: - "Pois bem Senhor, por quem sois!? Divagava aqui com os meus pensamentos, tentando entender o mundo e os homens.

Logo de seguida, indagou o Homem: E quais são as tuas duvidas?!...

Tadeu olhou-o serenamente, fixando-o, respondeu-lhe: Então vede, como sofrem os homens perante o sortilégio da guerra que consome vidas e recursos incontáveis; as crianças inocentes que morrem de fome e de sede sem terem sequer tempo de conhecer a vida! O poder, a fortuna de alguns que tudo têm sem limites, a luxúria, a opulência e muitos outros que nada têm, nem agua para beber nem tecto para dormir! Vede como são indignos os homens que detêm o poder e dirigem outros, tanta vez para a morte e sofrimento.

Tadeu, assim, continuava sem parar: "…”Vede, na história dos homens: 0s Césares da antiga Roma que se divertiam com espectáculos sanguinários no Coliseu; Átila, Rei dos Hunos, denominado o Flagelo de Deus; os Bórgias e o poder da igreja naquele tempo em Roma, as orgias, os assassinatos e a devassidão; As Cruzadas e a pilhagem em nome de Deus, a guerra santa; a peste negra que dizimou um terço da humanidade; a Santa Inquisição com as torturaras e as mortes na fogueira em praça pública e o infortúnio dos que para sempre entraram no Santo Oficio sem regresso; A escravatura no mundo; Napoleão, a guerra e a sua ambição de ser senhor do mundo; Os Lenines e os Stalines; 0 Hitler e os seus seguidores, que deles tudo ainda não sabemos e outros tantos do nosso tempo, como o terrorismo no mundo que é a guerra do século XXI. Porquê Senhor, por que existiram eles e lhes foi permitido tanto mal fazerem, dizendo que era em prol da humanidade e tantas vezes em nome de Deus. Por que razão Senhor?!

0 sossego repetiu-se por breves momentos. 0 Homem ali continuava escutando as dúvidas e lamúrias de Tadeu, que se alongavam no silêncio interrogativo...Por fim Tadeu novamente atalhou dizendo: …Por que existiram eles? Que mistérios se escondem em tão nefastos e estranhos seres. Em nome de quem vieram?! De Deus, não pode ser! Do acaso ou da necessidade, não sei certamente; é por certo, de "belzebu"!?... Daquele de quem o nome nem quero ouvir!?

Depois de o escutar, serenamente, O Homem respondeu-lhe:

"É esse o mistério da Vida, Tadeu. Deus fez o homem e deu-lhe a liberdade de escolher o caminho do bem, quantas vezes difícil de exercer; Fazer ou dizer mal é fácil; 0 bem e o mal existem dentro de todos nós, porque Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe a inteligência e o discernimento para saber conhecer a diferença. Aqueles que escolhem o caminho do mal, sem se arrependerem, terão na existência a justeza do seu comportamento! Continua tu a praticar o bem, Tadeu! Arrepende-te dos teus pecados e pede perdão a Deus! Ele te perdoará e te dará a esperança na vida terrena!"

Tadeu, ouvia atentamente a resposta do Homem mas, absorto pelo pensamento, não deu conta que já estava sozinho. Sentiu uma brisa mais forte tocar-lhe a face e as folhas caídas voaram ali em rodopio como se algo ou alguém as elevasse suspeitosamente para o Céu. Uma das folhas ficou no colo do seu pé. Segurando-a viu que tinha algo gravado pelo fogo. Observou-a e, levantando-se, disse: Mas, quem és tu? Que disseste, me dirias depois!? Tadeu, esperando, ouviu uma voz vinda do alto:

“SOU AQUELE QUE DÁ A ESPERANÇA, A REDENÇÃO, A VIDA ETERNA QUE HÁ-DE VIR”

Tadeu ficou estático, lívido, segurava ainda tremulamente a folha caída, olhando-a viu gravadas a fogo as palavras que leu:

“Ubi odium, ibi caritatem seramus; (onde há ódio, sejamos caridosos;)

ubi iniuria, ibi veniam; (onde há injúria, ajuntamos o favor;)

ubi dissensio, ibi concordiam; (onde há dissensão, haja a concórdia;)

ubi desperatio, ibi spem; (onde há desespero, haja esperança;)

ubi tenebrae, ibi lucem; (onde há trevas, haja luz;)

ubi tristitia, ibi laetitiam: (Onde há tristeza, haja alegria).

Esta é uma história, retirada do meu estro... Mas, é também a história dos pensamentos e dúvidas de todos nós que às vezes perante as incongruências dos homens no mundo, sentimos a incerteza da existência divina.

Tadeu seria um homem benevolente, que amava a vida e respeitava os outros; que procurava a virtude dos seus actos e tinha algumas dúvidas face ao comportamento daqueles que não reflectem maduramente sobre a integridade das suas acções.

0 Bem e o mal são opções da nossa consciência.

Esta história foi escrita em memória de todos os povos do mundo que sofrem ainda a atroz indiferença e desumanidade das sociedades “civilizadas” neste início do Sec. XXI.

http://www.youtube.com/watch?v=B2CW29jvKZE

http://saojudastadeu.home.sapo.pt/vida.htm


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